A caça que se virou contra o caçador. O fim do momento Kodak.
Ironias com a concordata da empresa criada por George Eastman em
1880 e registrada como marca em 1888 não faltaram na mídia
internacional com a notícia dada na quinta-feira e que há tempos
assombrava uma das maiores e mais antigas companhias do setor. O
ponto crucial dessa história - que para muitos ganhou contornos de
tragédia - é que foi a Kodak quem inventou a câmera fotográfica
digital, símbolo dessa "era" que pôs um fim, ou quase, na
importância dos filmes, seu principal filão.
A empresa que já foi
responsável por vender 90% do filme utilizado nos Estados Unidos e
desenvolveu um filme, o Kodachrome, tão amado por fotógrafos
amadores e profissionais que Paul Simon escreveu uma canção a
respeito, finalmente sucumbiu à revolução digital que deixou seus
produtos obsoletos. Mesmo o Kodachrome, um slide e filme produzido
por 74 anos, exaltado por sua nitidez, durabilidade e tons
vibrantes, morreu em 2009. Ao longo dos seus anos, entretanto, ele
foi um ícone da marca amarela e vermelha: foi usado para fazer
filmes de Hollywood durante o século XX, incluíndo 80 ganhadores de
Melhor Filme no Oscar, para gravar a coroação da rainha em 1953 e
usado por Neil Armstrong para fazer close-ups na superfície lunar na
missão Apollo 11.
Muito da veia criativa da Kodak foi herdada de Eastman, que tinha
uma doença degenerativa e tirou sua própria vida em 1932, mas que
durante décadas influenciou a Kodak e uma sucessão de inovações. Mas
não pelos seus quase 132 anos. Para Nancy West, da Universidade de
Missouri, citada pela Reuters, Eastman havia exercido tal
influência sobre a empresa que quando ele morreu a Kodak rapidamente
se transformou numa companhia ligada à nostalgia. "Nostalgia é
adorável, mas ela não permite que as pessoas sigam em frente", disse
ela, que já estudou a empresa a fundo.
A primeira câmera da Kodak data de 1900. Pouco mais de meio
século depois, em 1975, eles criavam a primeira câmera digital, um
protótipo do tamanho de uma torradeira que precisava de 23 segundos
de exposição para produzir uma imagem de 0,01 megapixel em preto e
branco.
"A Kodak foi a primeira empresa a criar a câmera digital, mas
naquela época, a maioria de seus lucros vinha da vendas de produtos
químicos utilizados nos filmes e eles tinham medo de investir em
algo novo porque achavam que podia prejudicar o seu negócio
tradicional", disse Olivier Laurent, editor de notícias do
British Journal of Photography. "Quando eles perceberam, o
mercado digital tinha chegado para ficar, ultrapassado o filme e
todos os concorrentes da Kodak tinham câmeras digitais muito
superiores. As câmeras Kodak nunca foram boas e a empresa perdeu a
reputação conquistada com o 'momento Kodak'".
Em 1992, Don Strickland, ex-vice-presidente da Kodak, disse
segundo o The Guardian que a empresa estava pronta para dar
espaço em seu negócio para as câmeras digitais, mas que seus chefes
vetaram a ideia com medo de uma "canibalização do filme". E para
além dos concorrentes e suas câmeras digitais e da entrada tardia no
mercado que ajudou a criar, a Kodak enfrentou nos últimos anos outro
obstáculo com o qual outras fabricantes também estão tendo que
lidar: os smartphones como câmeras cada vez melhores. Para Laurent,
os telefones estão comendo o mercado de câmeras compactas. "Por que
ter uma câmera compacta quando uma de 8 megapixels no iPhone é quase
tão boa e ele está sempre lá no seu bolso?" Esse, como o próprio
mercado de câmeras já sabe, é um obstáculo a ser ultrapassado nos
próximos anos.
Do case de sucesso ao de fracasso
A Kodak bem que tentou se reinventar como fabricante de impressoras
para capitalizar sobre a sua reputação como a melhor impressão de
filme. Mas a tentativa resultou apenas no fechamento, desde 2003, de
13 fábricas, 130 laboratórios de processamento e no fim de 47 mil
postos de trabalho. Suas dívidas ultrapassam US$ 6,8 bilhões. Em
1988, a Kodak comprou a Sterling por US$ 5,1 bilhões, conhecida por
fazer os produtos de limpeza Lysol. Em 1994, a empresa separou seu
braço químico, a Eastman Chemical Co, para ajudar a reduzir a
dívida, posteriormente tendo que vendê-la. Em 2007, a Kodak se
desfez da Onex, que fazia equipamentos de raios-X para hospitais e
dentistas e embolsou US$ 2,35 bilhões, mas os analistas disseram que
era um erro sair do negócio quando muitas pessoas estavam prestes a
se aposentar e a procura de raios-X aumentaria. Ou seja, além da
inovação, a Kodak foi prejudicada por suas péssimas decisões.
Um empréstimo de USS 950 milhões do banco de investimentos
Citigroup dará à Kodak 18 meses para respirar enquanto tenta vender
1,1 mil patentes que, acredita, valem mais de US$ 1 bilhão. A Kodak
quer reivindicar seus direitos sobre a imagem digital, porque,
tristemente, a empresa que foi pioneira na criação da câmera digital
acabou por ser derrubada pelo seu fracasso ao decidir não investir
em sua própria invenção. A Kodak já processou Apple, HTC, Research
In Motion e Samsung pela forma de enviar imagens digitais dos
aparelhos. O portfólio de patentes é uma parte importante dos planos
da Kodak para "completar a sua transformação".
Há tempos a Kodak é exemplo do que não se deve fazer no mundo dos
negócios. Em diversos MBAs a empresa é citada. Ao contrário de
empresas como IBM e a Xerox Corp, que conseguiram criar novos fluxos
quando o espaço para o seu legado no mercado caiu, a Kodak
abandonava novos projetos muito rapidamente. "As sementes dos
problemas de hoje remontam há várias décadas", disse Rosabeth Kanter,
professor da Harvard Business School à Reuters. "A Kodak era
muito centrada na sede em Rochester e nunca desenvolveu uma presença
em outros lugares que estavam desenvolvendo novas tecnologias",
disse. "É como se vivessem em um museu."
Para o colunista do The Guardian, Simon Walman, o sucesso
da Kodak foi baseado em um modelo de negócio genial. Eles venderam
filme, venderam os produtos químicos para desenvolver o filme e
depois venderam o papel em que as fotos dos filmes foram impressas.
O problema é que eles eram muito bons no que faziam e isso
fortalecia o medo da mudança. Na opinião do colunista, a frase
"vítima do próprio sucesso" poderia ter sido criada para descrever a
Kodak.