De todas as
manifestações artísticas, a fotografia foi a primeira a surgir
dentro do sistema industrial. Seu nascimento só imaginável frente
à possibilidade da reprodução. Pode-se afirmar que a fotografia
não poderia existir como a conhecemos, sem o advento da indústria.
Buscando atingir a todos. Por meio de novos produtos culturais, ela
possibilitou a maior democratização do saber.
A nova invenção veio
para ficar. A Europa se viu aos poucos, substituída por sua imagem
fotográfica. O mundo tornou-se, assim portátil e ilustrado.
O
homem moderno diante desse novo cenário, não tinha mais tempo para
ler. Tinha que ver para crer! Não podia mais contar com a lentidão e
imperfeição das imagens produzidas artesanalmente por desenhistas e
pintores de sua época.
A sociedade européia
levou muito tempo para compreender o real valor da produção
fotográfica. Em 19 de agosto de 1939, a Academia Francesa mal
anunciava publicamente a invenção do Daguerreótipo e o pintor Paul
Delaroche já declarava enfaticamente: "De hoje em diante, a pintura
está morta".
Nos círculos mais
conservadores e nos meios religiosos da sociedade, a invenção foi
chamada de blasfêmia, e Daguerre era condecorado com o título de"
Idiota dos Idiotas".
O pintor Ingres, ainda
que utilizasse os daguerreótipos de Nadar para executar seus
retratos, menosprezava a fotografia, como sendo apenas um produto
industrial, e confidenciava: "a fotografia é melhor do que o
desenho, mas não é preciso dize -lo".
Baudelaire, um dos mais
expressivos representantes da cultura francesa, negava publicamente
a fotografia como forma de expressão artística, alegando que "a
fotografia não passa de refúgio de todos os pintores frustrados", e,
sarcasticamente, celebrava a fotografia "como uma arte absoluta, um
Deus vingativo que realiza o desejo do povo... e Daguerre foi seu
Messias... Uma loucura, um fanatismo se apoderou destes novos
adoradores do sol!".
Com estas declarações,
Baudelaire refletia o impacto causado pela fotografia na
intelectualidade européia da época. Um artigo publicado no jornal
alemão Leipziger Stadtanzeiger, ainda na última semana de agosto de
1839, ajuda a compreender melhor este confronto:
"Deus criou o homem à
sua imagem e a máquina construída pelo homem não pode fixar a imagem
de Deus. É impossível que Deus tenha abandonado seus princípios e
permitido a um francês dar ao mundo uma invenção do
Diabo".(Leipziger Stadtanzeiger, 26.08.1839, p.1).
A nova concepção da
realidade conturbou o mundo cultural e artístico europeu. Como
entender que a fotografia viesse para ficar, a não ser em
substituição das tradicionais formas de representação?
Já se haviam gasto vãs
sutilezas em decidir se a fotografia era ou não arte, mas
preliminarmente, ainda não se perguntara se esta descoberta não
transformava a natureza geral da arte.
Numa época em que as
artes plásticas, o teatro e a literatura passavam por uma série de
mudanças com proclamações e manifestos de diferentes "ismos",
nasceram novas perspectivas na linguagem fotográfica. Influenciado
em uma parte, pelas tomadas de posição, e em outra parte por estar a
fotografia passando por um hiato, com a maioria dos profissionais se
repetindo dentro dos mesmos moldes, sobretudo de ordem estética. E,
por outro lado, também para conquistar determinado prestígio social,
já que a sua presença na época não era vista com bons
olhos.
Também outros
fotógrafos não se conformavam em ver a fotografia "apenas como mero
instrumento" para registrar a realidade.
Como não se poderia
obter os resultados desejados pela simples aplicação dos processos
tradicionais, começam a se desenvolver, novas técnicas baseadas
numa grande variedade de recursos, principalmente químicos, novas
técnicas de enquadramento e iluminação. A fotografia vai aos
poucos perdendo seu poder de "cópia do real" para ser
mais subjetiva, intimista, interpretativa, valorizando o discurso de
seu próprio autor. As objetivas, por outro lado, foram reestudadas,
com o intuito de se obter uma melhor qualidade de imagem e uma
focalização mais suave.
A fotografia trouxe consigo a aura
da veracidade e seu surgimento contribuiu diretamente para que todos
os segmentos artísticos, literários e intelectuais passassem por
uma profunda reflexão, evidenciando um dado importante que até
aquele momento permanecera intacto: "A concepção que o homem
tinha de si próprio".
|